Nota
Explicativa
A solenidade de São Pedro e de São Paulo é
uma das mais antigas da Igreja, sendo anterior até mesmo à comemoração do Natal.
Depois da Virgem Santíssima e de São João Batista, Pedro e Paulo são os santos
que têm mais datas comemorativas no ano litúrgico. Além do tradicional 29 de
junho na maioria dos lugares, há ainda 25 de janeiro, quando celebramos a
Conversão de São Paulo; 22 de fevereiro, temos a festa da Cátedra de São Pedro
e 18 de novembro, reservado à Dedicação das Basílicas de São Pedro e São Paulo.
O martírio de ambos deve ter ocorrido em ocasiões diferentes: São Pedro,
crucificado de cabeça para baixo na Colina Vaticana em 64, e São Paulo
decapitado na chamada “Três Fontes” em 67. Mas não há certeza quanto ao ano
desses martírios. São Pedro e São Paulo não fundaram Roma, mas são considerados
os "Pais de Roma" e considerados os pilares que sustentam a Igreja
tanto por sua fé e pregação, como pelo ardor e zelo missionários. São Pedro é o
apóstolo que Jesus Cristo escolheu e investiu da dignidade de ser o primeiro
Papa da Igreja. A ele Jesus disse: "Tu és Pedro e sobre esta pedra
fundarei a minha Igreja". São Paulo é o maior missionário de todos os
tempos, o advogado dos pagãos, o “Apóstolo dos gentios”.
No Brasil, em homenagem a São Pedro,
fogueiras são acesas, mastros são erguidos com a sua bandeira, fogos são
queimados. São Pedro é caracterizado como protetor dos pescadores. A
brincadeira do pau-de-sebo está em várias regiões, estando diretamente
relacionada com a festividade deste santo.
Os textos da Escritura para a solenidade que hoje celebramos põem em
relevo, naturalmente, as duas grandes figuras de Apóstolos. O Evangelho é de
Mateus 16,13-19, e põe em destaque a figura de Pedro. Também a passagem do
Livro dos Atos 12,1-11 lhe é dedicada. O texto do final da segunda Carta a
Timóteo 4,6-8.17-18 põe naturalmente em realce a figura de Paulo.
I leitura: Atos 12,1-11 nos
apresenta uma página assombrosa, que sai fora do estilo de Lucas, e se aproxima
mais do estilo do evangelista Marcos. É para casa de Maria, mãe de João Marcos,
que Pedro se dirige no episódio seguinte (Atos 12,12-17). Na página de hoje,
Pedro é salvo miraculosamente pela intervenção do Anjo de Deus, do próprio
Deus, portanto. São significativos os cinco imperativos que o Anjo dirige a
Pedro: Levanta-te, cinge-te, calça as sandálias, cobre-te com o teu manto e
segue-me! (Atos 12,8). Com o primeiro imperativo, caem das mãos de Pedro as
correntes de ferro. Assim começa a liberdade! Passam depois, sem qualquer
sobressalto, um após outro, dois postos da guarda, e abre-se automaticamente o
portão de ferro que dava para fora (Atos 12,10). Quando Pedro cai em si, está
numa viela de Jerusalém, e reconhece a mão de Deus nesta espetacular ação de
libertação em que é libertado das mãos de Herodes (Atos 12,10-11).
O Salmo 33 (34) põe nos lábios dos pobres a bênção, que os une a Deus
para sempre, e o louvor jubiloso e intenso, que é a sua verdadeira razão de
viver (vv. 2-3). O pobre enche o olhar de Deus e fica radiante, luminoso (v.
6), sabe que Deus o escuta e o salva, e convida a saborear a bondade de Deus
(v. 9). Ou talvez mais do que isso. Na versão grega deste v. 9, muito utilizado
no momento da comunhão, também nas liturgias de rito bizantino, lê-se: “Saboreai
e vede que Bom é o Senhor”.
II leitura: Do final da 2 Carta a Timóteo 4,6-8.17-18, em que Paulo
traça, por assim dizer, o seu testamento autobiográfico, recorrendo a três
imagens. A primeira provém do culto, do rito de libação (2 Timóteo 4,6) que
consiste em derramar um pouco de vinho ou de mosto (cerca de 1,5 litros) sobre
o altar, onde será queimado juntamente com a oferenda, subindo o seu perfume
para o alto, para Deus. Do mesmo modo, a inteira vida de Paulo foi uma
incessante subida para o seu Senhor, nada retendo para si mesmo, cá em baixo. A
segunda imagem provém do mundo militar. É o combate, que Paulo combateu a vida
inteira, e que qualifica de “bom” (2 Timóteo 4,7). A terceira provém do mundo
desportivo, concretamente do atletismo. “Completei a minha corrida” (2 Timóteo
4,7). Como o atleta sacrifica tudo para alcançar a vitória, também Paulo
despendeu todas as suas energias para alcançar “a coroa da justiça” que o
Senhor lhe dará no dia do juízo (2 Timóteo 4,8), e que é bem diferente da “coroa
corruptível” que os atletas conquistam no estádio (1 Coríntios 9,25).
Evangelho: Mateus 16,13-19 que nos falado episódio em Cesareia de
Filipe, onde se encontra uma das nascentes do rio Jordão. Aí construiu Herodes
um templo dedicado ao Imperador César Augusto, e o tetrarca Filipe, filho de
Herodes, deu à cidade, antes conhecida por Pânias, em honra do deus Pã, o nome
de Cesareia, também em honra de César Augusto. Dela resta hoje a gruta do deus
Pã, lugar que os peregrinos da Terra Santa costumam visitar.
É em Cesareia de Filipe, cidade marcada pelo paganismo, que Jesus põe a
questão da sua identidade. Soberanamente Jesus pergunta: “Quem dizem as pessoas
que é o Filho do Homem?” (Mt 16,13), para acrescentar logo de seguida, de forma
direta e enfática: “E vós, quem dizeis que Eu sou?” (Mt 16,15).
A esta pergunta, posta por Jesus aos seus discípulos que de há muito o
seguiam, Simão Pedro foi rápido a responder: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus
vivo!” (Mt 16,16). Jesus declara Feliz Simão, filho de Jonas, não por achar que
ele reunia competência humana para expressar aquele dizer,
mas por saber que o tinha recebido do Pai (Mateus 16,17).
Note-se bem que quem constrói a Igreja é Jesus, e não Pedro, e a Igreja
a construir também é de Jesus, e não de Pedro: “sobre esta pedra construirei a minha Igreja”, diz Jesus. Em todo o Novo
Testamento, só Jesus e Pedro recebem o apelativo de “pedra”. “Rocha”, “rochedo”,
“pedra firme”. O Salmista diz: “O Senhor é a minha Rocha e a minha fortaleza ,
nele me abrigo, meu Rochedo, meu escudo e meu baluarte, minha torre forte e meu
refúgio” (Salmo 18,3).
Jesus declara de seguida: “Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus” (Mt 16,19). As chaves representam um saber e um poder.
Falamos de chaves de uma casa, de uma cidade, de um
tesouro. Vejamos o texto de Isaías 22,19-23, que fala do “rito das chaves”
e do poder retirado a Shebna e conferido a Eliaqîm.
As chaves do Reino dos Céus são as chaves do amor e do perdão, traves mestras de
uma comunidade unida e confiante, com os pés na terra e o olhar fixo em Deus.
Diz, na verdade, a Constituição Dogmática Lumen Gentium: “Aprouve a
Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer
ligação entre eles, mas constituindo-os em povo” (LG, 9).
Podemos assim observar, Pedro é a Pedra e tem as Chaves do Reino dos Céus, e é-lhe ainda dada
a autoridade de ligar-desligar, isto é, de
perdoar: “Tudo o que ligares sobre a terra, ficará para sempre ligado nos Céus,
e tudo o que desligares sobre a terra, ficará para sempre desligado nos Céus”
(Mt 16,19). No Evangelho de Mateus, e só no Evangelho de Mateus, esta
autoridade de ligar-desligar, isto é, de
perdoar, é também confiada à inteira comunidade, exatamente nos mesmos termos
em que é confiada a Pedro: “Em verdade vos digo: tudo o que ligardes sobre a
terra, ficará para sempre ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra,
ficará para sempre desligado no céu” (Mateus 18,18). É belo ver a inteira
comunidade assente na Pedra, que é Pedro, como
Pedro, com Pedro, não alijando responsabilidades, mas unida, reunida e operante
na prática quotidiana do Perdão!
Luis Filipe Dias |
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