sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus (05/11/2017)

SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS
 “Apenas disto, nós terrestres, temos necessidade de acreditar que o amor que vivemos, o amor partilhado com aqueles que amámos e que ainda amamos é um amor que permanece, que contém qualquer coisa da Eternidade, um amor que nos permite dizer no presente e no futuro: eu amo, mesmo quando o outro que eu amo, já não está.” (Enzo Bianchi)

Motivação
Na solenidade de Todos os Santos, damos graças ao Pai Santo e fonte de toda santidade. Somos chamados a fazer as opções que nos comprometem com a justiça do Reino de Deus. É convite para andarmos no caminho de Jesus e, assim, sejamos bem-aventurados. Muitos homens e mulheres tiveram a capacidade de ir além de si mesmos e por isso são bem-aventurados e estão de pé diante do trono do Cordeiro. É festa de vida e esperança. Na alegria do encontro, entoemos o canto de abertura.

Leituras:
Apocalipse 7,2-4.9-14: Os que vieram da grande tribulação
Salmo 23 (24): Soberania do Senhor sobre o mundo criado
Primeira Carta de João 3,1-3: Os que esperam no Senhor
Mateus 5,1-12a: Perseguidos por causa da justiça

Recordando a Palavra
As três leituras da solenidade de Todos os Santos nos apresentam uma mensagem única: Deus, o Santo, quer fazer de nós imagens suas. A santidade não é uma realidade só para alguns, mas para todos. Não é um tema simplesmente da vida privada, mas, envolvendo nosso ser mais pessoal, faz parte de nosso testemunho diante do mundo. A santidade também não é algo a ser vivido só na outra vida, mas começa agora o que depois se plenificará.

Comentário dos textos bíblicos
Evangelho (Mateus 5,1-12a)
As bem-aventuranças mostram o caminho do seguimento de Jesus. Indicam a subversão dos critérios do mundo: os que são considerados como nada são ditos felizes. Trata-se de uma felicidade de outra dimensão, onde o cristão se alegra não obstante os sofrimentos (v. 12: “alegrai-vos!”).

As bem-aventuranças são, assim, imagem da nova ordem, do mundo novo, do Reino que Jesus inaugura e que já se inicia agora; são também o retrato perfeito do próprio Jesus: ele é o primeiro a ser pobre em espírito, manso, misericordioso… E, com isso, elas são orientação clara para os discípulos.

Os santos viveram essa assimilação à pessoa de Jesus. São hoje bem-aventurados no céu, mas já começaram, pela vivência dos valores das bem-aventuranças, a sê-lo nesta terra. A vida segundo o evangelho não é uma vida tristonha, revoltada, mas já nos faz, aqui e agora, saborear a bem-aventurança celeste. Quem está com Jesus já participa, na sua vida concreta, da bem-aventurança prometida.

Bem-aventurados são, primeiramente, os “pobres em espírito”. Não se trata nem de pobreza unicamente material nem de pobreza puramente espiritual. Trata-se de saber renunciar às riquezas materiais, usando-as para o bem comum, com a liberdade interior que provém dos imperativos do evangelho. Isso é impulso para que a justiça social aconteça na sociedade. A Igreja, os cristãos, vivendo essa pobreza evangélica, tornam-se sinais do mundo novo.

Essa atitude se expressa também na mansidão, que, não se impondo com prepotência, mas sendo vivida em espírito de serviço, terá sua recompensa na outra terra. E naqueles que, aflitos, resistem ao mal sem fazer o mal e agem, com esperança em Deus, em favor do restabelecimento da ordem querida por ele. Não se desesperam porque esperam a consolação que não vem da justiça humana, mas de Deus. A eles estão ligados os que têm fome e sede de justiça, aqueles que sofrem sem verem seus direitos respeitados, mas têm já a certeza daquela justiça que nunca falhará.

Os misericordiosos são bem-aventurados porque deixam transbordar da riqueza de seu coração algo que os faz, talvez sem se darem conta, imagem da infinita misericórdia de Deus, a eles reservada. Os puros são aqueles que podem estar diante de Deus sem máscaras, pois nada têm a esconder. Mesmo se encantando com os valores deste mundo, sabem que só vale aquilo que traz o reflexo de Deus; e, assim, elevam tudo para Deus. Os que promovem a paz são os que vivem a reconciliação, que começa com Deus e, daí, deve se expandir aos relacionamentos e estruturas humanas.

Por fim, bem-aventurados são os perseguidos por causa da justiça, que mantêm as medidas justas e não se dobram perante medidas injustas. São, assim, sinal de contradição e se tornam um desafio e mesmo uma acusação. Por isso lhes advém a mesma sorte de Jesus: o desprezo e até o ódio. O evangelista redigiu esta bem-aventurança na segunda pessoa do plural, dirigindo-se diretamente aos membros da comunidade que são perseguidos por causa de Jesus.

I leitura (Ap 7,2-4.9-14)
Na primeira cena da leitura de hoje, do livro do Apocalipse, vemos os fiéis em meio a grandes provações. Sem livrá-los das dificuldades, Deus, intervém em seu favor. Eles são marcados com “o selo do Deus vivo”, identificados como “servos de Deus” (v. 3).

A marca que recebem é o batismo, que, na comunidade cristã primitiva, muitas vezes aparece na imagem do “selo” (cf. 2 Cor 1,21-22). Ele faz do cristão propriedade de Deus e, por isso, é sinal que protege do juízo escatológico. Dessa forma, já agora pertencem a Deus e depois chegarão à glória de Deus, estarão de pé diante de seu trono (v. 9).

Em seguida, o texto apresenta a visão dos eleitos no céu, aqueles marcados com o selo (v. 9-14). Eles são incontáveis (cf. Gn 15,5: a promessa a Abraão), num número de grandeza incomparável (12 x 12 x 1.000, v. 4), e provêm de todas as partes do mundo. São admitidos onde antes estavam só os anciãos e os quatro seres vivos: à presença de Deus (cf. Ap 5,6-8). Portam vestes brancas, a vida nova na qual entraram pelo batismo e que se plenifica na glória celeste. E têm nas mãos palmas, símbolo da vitória (v. 9). Foram purificados pelo batismo, no qual se torna realidade a força salvadora da cruz, e, passando pela provação, a venceram (v. 13-14).

Por isso participam da liturgia celeste. O hino que cantam proclama Deus e o Cordeiro como autores da sua salvação (v. 10). O batismo, a força de vencer as provações, tudo eles receberam da graça de Deus. A eles se juntam os anjos, os anciãos e os quatro seres vivos, que cantam a glória e a majestade de Deus (v. 11-12).

Dessa forma, em duas cenas, uma terrestre (v. 2-4) e outra celeste (v. 9-14), o Apocalipse abre a realidade da ação salvadora de Deus, que já nesta história santifica os seres humanos e os guia para a meta última, a glória, na qual participarão da liturgia que não terá fim.

II leitura (1 Jo 3,1-3)
A vida do cristão transcorre entre dois momentos: o agora (Presente) e o que virá (Futuro). O primeiro momento (v. 2) já é marcado pela realidade transcendente: somos na verdade filhos de Deus. No Antigo Testamento, o povo de Israel aparece, embora raramente, como filho de Deus, mas num sentido simbólico, para indicar a estreita relação de pertença a Deus (cf. Os 11,1) e a realidade de ser obra das mãos de Deus, que é o Criador e aquele que formou o povo eleito (cf. Is 64,7; 63,16).

No Novo Testamento, não se trata de um símbolo, mas de uma realidade. O único Filho de Deus, Deus como Deus, fez-se humano. E por sua obra redentora deu-nos real participação na sua vida de Filho. Isso começa em nós pelo batismo.

O segundo momento é a vinda futura do Filho de Deus. Então aquilo que já somos (filhos) será levado à plenitude. Quando encontramos alguém que amamos e que nos ama, nosso semblante se ilumina. Sorrimos, falamos e agimos com confiança diante de um amigo. Quando encontrarmos a Deus, sua divina face iluminará a nossa face. Nosso “semblante” será iluminado. Resplandecerá em nós seu amor, sua divina Pessoa.

Essa esperança deve guiar nossa vida, dando-nos força e motivos para permanecermos fiéis, trazendo às categorias, valores e estruturas de nossas sociedades, que tantas vezes rejeitam o evangelho, a interpelação que vem de Deus. Assim, o cristão não só se santifica, mas santifica a história.

DICAS PARA REFLEXÃO
O Concílio Vaticano II, no documento Lumen Gentium, fala da vocação de todos à santidade. Estamos convictos de que temos o chamado para ser santos? De que nosso testemunho perante a própria Igreja e perante a sociedade passa pela resposta a essa vocação?

Em que consiste a santidade da Igreja, dos cristãos? Como ser cristão coerente num mundo em que há tantas estruturas e valores que contrariam o evangelho? Nossa santidade é mais obra nossa ou de Deus?
Luis Filipe Dias

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