Nota explicativa
Não podemos esquecer que, ao lado de
Pedro, é celebrado também Paulo, o apóstolo, o missionário por excelência. A
figura de Pedro é destacada principalmente na primeira leitura e no evangelho;
a de Paulo, na segunda leitura. Mas a primeira leitura cria um espaço para
falar dos dois: mostra que Deus está com seus enviados. Baseando-se na
compreensão popular dos dois santos, pode-se combinar, nesta celebração, a
ideia da pessoa de referência para a unidade da Igreja, como foi Pedro, e a do
incansável missionário, que foi Paulo.
I leitura: At 12,1-11
A primeira leitura, tomada dos Atos
dos Apóstolos, narra o episódio da prisão e libertação de Pedro. Por volta de 43
d.C., o rei judeu Herodes Agripa I, vassalo dos romanos, mandou executar o
apóstolo Tiago, filho de Zebedeu. Depois mandou aprisionar Pedro. Mas o “anjo
do Senhor” o libertou, como libertou os israelitas do Egito. A comunidade
recorreu à arma da oração: é Deus quem age, ele é o libertador. Assim, Pedro é
libertado da prisão pelo anjo do Senhor. Esse feito confirma sua missão
especial na Igreja, ressaltada no evangelho. O significado desse episódio pode
ser estendido à vida de Paulo, que, conforme At 16,16-40, viveu uma experiência
semelhante, além de muitas outras situações de perigo e aperto (cf. 2Cor
11,16-33).
Evangelho: Mt 16,13-19
O evangelho apresenta Pedro como a
pedra ou rocha da Igreja. A situação é a seguinte: Jesus havia enviado os Doze
em missão, e eles tomaram conhecimento das reações do povo diante de Jesus.
Quando os discípulos voltam da missão, Jesus lhes pergunta quem o povo e quem
eles mesmos dizem que ele é. Pedro responde pelos Doze e chama Jesus de Messias
(Cristo: cf. Mc 8,29) e Filho de Deus (como diz Mt 16,16; cf. 14,33). Enquanto
o relato de Marcos (Mc 8,27-30) é mais simples, o de Mateus mostra que Jesus
reage à profissão de fé feita por Pedro em nome dos Doze com três observações.
Primeiro, reconhece nela uma inspiração divina: “não foi um ser humano
(literalmente, ‘carne e sangue’) que te revelou isso” (Mt 16,17). Além disso,
muda o nome de Simão, chamando-o de Pedro, porque “sobre esta pedra edificarei
a minha Igreja, e o poder (literalmente, ‘as portas’) do inferno nunca poderá
vencê-la” (Mt 16,18). Enfim, Jesus confia a Pedro o serviço de governar a
comunidade (as “chaves” e o poder de ligar e desligar, ou seja, obrigar e
deixar livre, poder de decisão), com ratificação divina (“será ligado/desligado
no céu” (Mt 16,19).
Jesus dá a Simão o nome de Pedro,
“Pedra”, que sugere solidez: Simão deve ser a “pedra” (rocha) que dará solidez
à comunidade de Jesus (cf. Lc 22,32). Isso não é um reconhecimento de suas
qualidades naturais, embora possamos supor que Simão deva ter sido um bom
empresário de pesca! Pelo contrário, não se refere ao que Pedro foi, mas ao que
será. Trata-se de vocação que o transforma. Muitas vezes, na Bíblia, a
imposição de um novo nome significa que a pessoa recebe nova vocação e deverá
transformar-se para corresponder. Na Bíblia, ser “rocha” é, antes de tudo, um
atributo de Deus mesmo, o “Rochedo de Israel” (cf. Dt 32,4 etc.). Jesus, com
certeza, não quer colocar Pedro no lugar do “Rochedo de Israel”, mas o incumbe,
por assim dizer, de uma missão que tenha qualidade análoga. A firmeza e a
proteção evocadas pela imagem da rocha não são algo que Simão Pedro tem em si
mesmo (ele negará conhecer Jesus na hora em que deveria testemunhar), mas são a
firmeza e a proteção de Deus das quais ele é constituído “ministro”, e essa
“nomeação” vai acompanhada de uma promessa: as “portas” (cidade fortificada,
reino) do inferno não poderão nada contra a Igreja. Esse ministério está a
serviço do Reino dos céus (maneira de Mateus dizer o Reino de Deus). Assim como
as chaves das portas da cidade são entregues a seu prefeito (cf. Is 22,22),
assim Pedro recebe o governo da comunidade que instaura o Reino de Deus no
mundo. Em Mt 18,18, autoridade semelhante é exercida pela comunidade, mas Pedro
tem uma responsabilidade específica, unificadora, que dá solidez à Igreja.
II leitura: 2Tm 4,6-8.17-18
A segunda leitura evoca Paulo. Ele,
que sempre trabalhou com as próprias mãos, está agrilhoado; na defesa, ninguém
o assistiu. Contudo, fala cheio de gratidão e esperança. “Guardou a fidelidade”:
a sua e a dos fiéis. Aguarda com confiança o encontro com o Senhor. Ofereceu
sua vida no amor, e o amor não tem fim (cf. 1Cor 13,8). Seu último ato
religioso é a oblação da própria vida (cf. Rm 1,9; 12,1). Sua vida está nas
mãos de Deus, que o arrebata da boca das feras.
Sua vocação se deu por ocasião da
aparição de Cristo no caminho de Damasco: de perseguidor, Paulo se transformou
em apóstolo e realizou, mais do que os outros apóstolos, a missão de ser
testemunha de Cristo até os confins da terra (cf. At 1,8). Apóstolo dos pagãos,
tornou realidade a universalidade da Igreja, da qual Pedro é o guardião. A
segunda leitura que hoje ouvimos é o resumo de sua vida de plena dedicação à
evangelização entre os pagãos, nas circunstâncias mais difíceis: a Palavra
tinha de ser ouvida por todas as nações (cf. 2Tm 4,17). A ninguém podia ficar
escondida a luz de Cristo! O mundo em que Paulo se movimentava estava dividido
entre a religiosidade rígida dos judeus farisaicos e o mundo pagão, entre a
dissolução moral e o fanatismo religioso. Nesse contexto, o apóstolo anunciou o
Cristo crucificado como a salvação: loucura para os gregos, escândalo para os
judeus, mas alegria verdadeira para quem nele crê. Missão difícil. No fim de
sua vida, Paulo pode dizer que “combateu o bom combate e conservou a fé”. Essa
afirmação deve ser entendida como fidelidade na prática, tanto de Paulo como
dos fiéis que ele ganhou. Como Cristo, o bom pastor, não deixa as ovelhas se
perderem, assim também o apóstolo, enviado de Cristo, as conserva nesse laço de
adesão fiel, marca de sua própria vida.
Pistas para reflexão
Conforme o evangelho, Simão responde
pela fé dos seus irmãos. Por isso, Jesus lhe dá o nome de Pedro, que significa
sua vocação de ser “pedra”, rocha, para que seja edificada sobre ele a
comunidade dos que aderem a Jesus na fé. Pedro deverá dar firmeza aos seus
irmãos (cf. Lc 22,32). Essa “nomeação” vai acompanhada de uma promessa: o reino
do inferno não poderá nada contra a Igreja, que é uma realização do Reino do
céu. A libertação da prisão, lembrada na primeira leitura, ilustra essa
promessa. Jesus confia a Pedro “o poder das chaves”, o serviço de administrador
de sua “cidade”, de sua comunidade. Na medida em que a Igreja é realização
(provisória, parcial) do Reino de Deus, Pedro e seus sucessores, os papas, são
“administradores” dessa parcela do Reino. Eles têm a última responsabilidade do
serviço pastoral. Pedro, sendo aquele que “responde” pelos Doze, administra ou
governa as responsabilidades da evangelização (não a administração material).
Quem exerce esse serviço hoje é o papa, sucessor de Pedro e bispo de Roma,
cidade que, pelas circunstâncias históricas, se tornou o centro a partir do
qual melhor se exercia essa missão. Pedro recebe também o poder de “ligar e
desligar” – o poder da decisão, de obrigar ou deixar livre –, exatamente como
último responsável da comunidade (a qual também participa nesse poder, como
mostra Mt 18,18). Não se trata de um poder ilimitado, mas de responsabilidade
pastoral, que concerne à orientação dos fiéis para a vida em Deus, no caminho
de Cristo.
Se Pedro aparece como fundamento
institucional da Igreja, Paulo aparece mais na qualidade de fundador
carismático. Transformado por Cristo em mensageiro seu (“apóstolo”), ele
realiza, por excelência, a missão dos apóstolos de serem testemunhas de Cristo
“até os extremos da terra” (cf. At 1,8). As cartas a Timóteo, escritas na
prisão em Roma, são a prova disso, pois Roma é a capital do mundo, o trampolim
para o evangelho se espalhar por todo o mundo civilizado daquele tempo. Paulo é
o “apóstolo das nações”. No fim da sua vida, pode entregá-la como “oferenda
adequada” a Deus, assim como ensinou (Rm 12,1). Como Pedro, ele experimenta
Deus como o Deus que liberta da tribulação.
Pedro e Paulo representam duas vocações
na Igreja, duas dimensões do apostolado – diferentes, mas complementares. As
duas foram necessárias para que pudéssemos comemorar, hoje, os cofundadores da
Igreja universal. A complementaridade dos dois “carismas” continua atual: a
responsabilidade institucional e a criatividade missionária. Essa
complementaridade pode provocar tensões (cf. Gl 2); por exemplo, as
preocupações de uma “teologia romana” podem não ser as mesmas que as de uma
“teologia latino-americana”. Mas tal tensão pode ser extremamente fecunda e
vital para a Igreja toda. Hoje, sabemos que o pastoreio dos fiéis – a pastoral
– não é exercido somente pelos “pastores constituídos” como tais, pela
hierarquia. Todos os fiéis são um pouco pastores uns dos outros. Devemos
conservar a fidelidade a Cristo na solidariedade do “bom combate”.
E qual será, hoje, o bom combate?
Como no tempo de Pedro e Paulo, a luta pela justiça e pela verdade em meio a
abusos, contradições e deformações. Por um lado, a exploração desavergonhada,
que até se serve dos símbolos da nossa religião para fins lucrativos; por
outro, a tentação de largar tudo e dizer que a religião é um obstáculo à
emancipação humana. Nossa luta é, precisamente, assumir a libertação em nome de
Jesus, sendo-lhe fiéis, pois, na sua morte, ele realizou a solidariedade mais
radical que podemos imaginar.
Pe. Luis Filipe Dias |