Nota explicativa
Não podemos esquecer que, ao lado de
Pedro, é celebrado também Paulo, o apóstolo, o missionário por excelência. A
figura de Pedro é destacada principalmente na primeira leitura e no evangelho;
a de Paulo, na segunda leitura. Mas a primeira leitura cria um espaço para
falar dos dois: mostra que Deus está com seus enviados. Baseando-se na
compreensão popular dos dois santos, pode-se combinar, nesta celebração, a
ideia da pessoa de referência para a unidade da Igreja, como foi Pedro, e a do
incansável missionário, que foi Paulo.
I leitura: At 12,1-11

Evangelho: Mt 16,13-19

Jesus dá a Simão o nome de Pedro,
“Pedra”, que sugere solidez: Simão deve ser a “pedra” (rocha) que dará solidez
à comunidade de Jesus (cf. Lc 22,32). Isso não é um reconhecimento de suas
qualidades naturais, embora possamos supor que Simão deva ter sido um bom
empresário de pesca! Pelo contrário, não se refere ao que Pedro foi, mas ao que
será. Trata-se de vocação que o transforma. Muitas vezes, na Bíblia, a
imposição de um novo nome significa que a pessoa recebe nova vocação e deverá
transformar-se para corresponder. Na Bíblia, ser “rocha” é, antes de tudo, um
atributo de Deus mesmo, o “Rochedo de Israel” (cf. Dt 32,4 etc.). Jesus, com
certeza, não quer colocar Pedro no lugar do “Rochedo de Israel”, mas o incumbe,
por assim dizer, de uma missão que tenha qualidade análoga. A firmeza e a
proteção evocadas pela imagem da rocha não são algo que Simão Pedro tem em si
mesmo (ele negará conhecer Jesus na hora em que deveria testemunhar), mas são a
firmeza e a proteção de Deus das quais ele é constituído “ministro”, e essa
“nomeação” vai acompanhada de uma promessa: as “portas” (cidade fortificada,
reino) do inferno não poderão nada contra a Igreja. Esse ministério está a
serviço do Reino dos céus (maneira de Mateus dizer o Reino de Deus). Assim como
as chaves das portas da cidade são entregues a seu prefeito (cf. Is 22,22),
assim Pedro recebe o governo da comunidade que instaura o Reino de Deus no
mundo. Em Mt 18,18, autoridade semelhante é exercida pela comunidade, mas Pedro
tem uma responsabilidade específica, unificadora, que dá solidez à Igreja.
II leitura: 2Tm 4,6-8.17-18

Sua vocação se deu por ocasião da
aparição de Cristo no caminho de Damasco: de perseguidor, Paulo se transformou
em apóstolo e realizou, mais do que os outros apóstolos, a missão de ser
testemunha de Cristo até os confins da terra (cf. At 1,8). Apóstolo dos pagãos,
tornou realidade a universalidade da Igreja, da qual Pedro é o guardião. A
segunda leitura que hoje ouvimos é o resumo de sua vida de plena dedicação à
evangelização entre os pagãos, nas circunstâncias mais difíceis: a Palavra
tinha de ser ouvida por todas as nações (cf. 2Tm 4,17). A ninguém podia ficar
escondida a luz de Cristo! O mundo em que Paulo se movimentava estava dividido
entre a religiosidade rígida dos judeus farisaicos e o mundo pagão, entre a
dissolução moral e o fanatismo religioso. Nesse contexto, o apóstolo anunciou o
Cristo crucificado como a salvação: loucura para os gregos, escândalo para os
judeus, mas alegria verdadeira para quem nele crê. Missão difícil. No fim de
sua vida, Paulo pode dizer que “combateu o bom combate e conservou a fé”. Essa
afirmação deve ser entendida como fidelidade na prática, tanto de Paulo como
dos fiéis que ele ganhou. Como Cristo, o bom pastor, não deixa as ovelhas se
perderem, assim também o apóstolo, enviado de Cristo, as conserva nesse laço de
adesão fiel, marca de sua própria vida.
Pistas para reflexão

Se Pedro aparece como fundamento
institucional da Igreja, Paulo aparece mais na qualidade de fundador
carismático. Transformado por Cristo em mensageiro seu (“apóstolo”), ele
realiza, por excelência, a missão dos apóstolos de serem testemunhas de Cristo
“até os extremos da terra” (cf. At 1,8). As cartas a Timóteo, escritas na
prisão em Roma, são a prova disso, pois Roma é a capital do mundo, o trampolim
para o evangelho se espalhar por todo o mundo civilizado daquele tempo. Paulo é
o “apóstolo das nações”. No fim da sua vida, pode entregá-la como “oferenda
adequada” a Deus, assim como ensinou (Rm 12,1). Como Pedro, ele experimenta
Deus como o Deus que liberta da tribulação.
Pedro e Paulo representam duas vocações
na Igreja, duas dimensões do apostolado – diferentes, mas complementares. As
duas foram necessárias para que pudéssemos comemorar, hoje, os cofundadores da
Igreja universal. A complementaridade dos dois “carismas” continua atual: a
responsabilidade institucional e a criatividade missionária. Essa
complementaridade pode provocar tensões (cf. Gl 2); por exemplo, as
preocupações de uma “teologia romana” podem não ser as mesmas que as de uma
“teologia latino-americana”. Mas tal tensão pode ser extremamente fecunda e
vital para a Igreja toda. Hoje, sabemos que o pastoreio dos fiéis – a pastoral
– não é exercido somente pelos “pastores constituídos” como tais, pela
hierarquia. Todos os fiéis são um pouco pastores uns dos outros. Devemos
conservar a fidelidade a Cristo na solidariedade do “bom combate”.
E qual será, hoje, o bom combate?
Como no tempo de Pedro e Paulo, a luta pela justiça e pela verdade em meio a
abusos, contradições e deformações. Por um lado, a exploração desavergonhada,
que até se serve dos símbolos da nossa religião para fins lucrativos; por
outro, a tentação de largar tudo e dizer que a religião é um obstáculo à
emancipação humana. Nossa luta é, precisamente, assumir a libertação em nome de
Jesus, sendo-lhe fiéis, pois, na sua morte, ele realizou a solidariedade mais
radical que podemos imaginar.
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Pe. Luis Filipe Dias |
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